Trabalho significativo versus esforço inútil

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sisyphus-image-01cNo mundo da mitologia grega, Sísifo ficou conhecido por empurrar uma pedra morro acima por toda a eternidade. O detalhe é que sempre que a pedra atingia o cume, rolava montanha abaixo e a tarefa tinha que ser repetida, invalidando todo o empenho anterior. É por isso que, nos dias de hoje, chamamos de “Trabalho de Sísifo” as atividades que envolvem esforço inútil, sem horizonte ou recompensa.

O detalhe é que Sísifo não escolheu para si tal destino. Ele recebeu tamanha condenação por ter ousado desafiar os deuses e enganar a morte com sua astúcia. Ou seja, mesmo consciente da tarefa inócua que realizava, precisava repeti-la sistematicamente porque não tinha opção.

No ensaio “O mito de Sísifo”, publicado em 1941, o filósofo francês Albert Camus descreve esse personagem como o símbolo perfeito de quem é condenado à mesmice e a uma tarefa sem sentido, comparando a situação de Sísifo a de trabalhadores em empregos fúteis nas fábricas e escritórios.

Acredito que você se recorde do famoso filme “Tempos Modernos”, em que Carlitos, interpretado por Charles Chaplin, trabalha em uma linha de montagem como operário e passa o dia apertando parafusos. Resultado: o excesso de tarefas repetitivas leva o personagem a efetuar os movimentos de modo robótico e continuado, mesmo quando a sua jornada de trabalho termina e ele segue para casa.

É claro que ofícios dessa natureza têm diminuído com o advento de novas tecnologias nos processos industriais, mas ele ainda existe por todos os cantos do mundo. É só você conversar, por exemplo, com algum brasileiro que voltou recentemente do Japão para entender do que estou falando. O que alivia o peso do trabalho exaustivo é o fato de que essas pessoas geralmente estão lá por um propósito maior.

O que chama a minha atenção cada vez mais é que muita gente se considera desafortunado, quando o quadro real é bem diferente. Aliás, recordo um vídeo que se popularizou algum tempo atrás no qual um massagista de top models reclamava do seu trabalho. Segundo ele, era um sofrimento sem fim ter de ficar atendendo aquelas beldades que só apreciavam falar de dinheiro, fama e alface, enquanto “pessoas felizes” estavam em escritórios atendendo telefonemas, participando de reuniões e sendo repreendidas por chefes malvados. No fim ele ainda dizia: “Um dia eu largo esse inferno!” Praticamente o mesmo tipo de profissional que hoje pede demissão da empresa por se achar pouco valorizado e um mês depois, arrependido, diz para si mesmo: “Eu era feliz e não sabia!”

Principalmente para a nova geração, é muito difícil entender as razões de se fazer sacrifícios sem nenhum sentido aparente porque a maior parte dos jovens profissionais anseiam um trabalho repleto de significado logo no primeiro emprego. No entanto, é importante moderar as expectativas dessas pessoas nos primeiros anos de carreira porque – fora alguns afortunados – a maior parte delas terá de “roer osso” durante algum tempo antes de “comer o filé”.

Todo tipo de profissão exige o cumprimento de tarefas pouco prazerosas e que causam chateações no dia a dia, mas nem por isso podem ser chamadas de trabalhos de Sísifo. Eu mesmo não sinto prazer em fazer uma série de pequenas coisas relacionadas à atividade de consultoria, mas nem por isso elas me causam ojeriza. Aliás, é a capacidade de exercê-las bem que me abre as portas para o privilégio de executar aquelas que aprecio profundamente e explicam porque sou apaixonado pela profissão.

O que mais me chama atenção na história de Sísifo é que, mesmo fazendo seu trabalho cada vez melhor, ele continuava a colher resultados infrutíferos porque estava condenado a não progredir. A grande diferença entre um trabalho significativo e o mero esforço inútil reside exatamente aí: enquanto o primeiro nos leva ao progresso, o último nos condena à estagnação.

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